Carência e solidão

"Por que você não escreve textos mais pessoais?" É a pergunta ardil feita por um amigo enquanto falávamos sobre a quarentena. Por que esses são os textos mais difíceis de escrever? Ora porquê, talvez, envolvem sentimentos que existem ou porquê lembram aquilo que não se sente mais, às vezes, há muito tempo. Para mim, esse tipo de lembrança pode trazer medo, seja de sentir novamente, ou pior, de não sentir.
Photo by Jan Kahánek on Unsplash
Photo by Jan Kahánek on Unsplash
E aqui estou eu, com tempo de sobra, inevitavelmente revisitando lembranças e fantasias. Devo admitir que a imaginação tenha mais espaço que as memórias. Antes de tudo isso começar algumas coisas ficaram pendentes e acho inevitável pensar como seria ou como será quando essa fase passar.

Não é como se eu nunca tivesse ficado longe de tudo assim, sem sentir o toque de outra pessoa, mas agora não são só circunstâncias da vida de solteiro. Neste momento, é uma questão de sobrevivência. Então venho recusado ofertas sedutoras, mas não tão tentadoras assim. Não por conta de quem as faz, mas devido a minha egoísta melancolia.  

O que me traz ao meu isolamento dentro do isolamento. Possivelmente, meu confinamento é alguma forma de autopreservação em meio a tantas pandemias, coletivas e pessoais. “Estou bem, na medida do possível” se tornou minha resposta padrão quando me perguntam como estou. Porque, sejamos francos, quem pode realmente estar bem agora? Alguns de nós só estão vivendo da melhor forma que podemos nesse momento.

A maior solidão que já senti não foi estando sozinho. Pelo contrário, estar só, muitas vezes, me completa muito mais do que estar com alguém. A vez que me senti pior foi quando estava deitado ao lado de alguém que já havia amado me perguntando como eu continuaria ali. De tempos em tempos, lembro disso e temo algum dia me sentir assim de novo.

Não tenho medo da solidão por si só, mas receio ter me acostumado tanto a ela a ponto de temer algo novo. De volta à pergunta do meu amigo, porque é difícil racionalizar esses sentimentos a ponto de escrever sobre eles. Porque, me conhecendo, sei que vou procurar a todo custo chegar a uma solução para algo que possivelmente é muito complexo para alguns parágrafos.

Portanto aqui estou, com uma caneta tinteiro borrando o papel amarelo-creme da minha caderneta, sem um final. Então, amigo, se responde a sua pergunta, é por isso que não escrevo textos mais pessoais. Às vezes, as soluções para os problemas que nos inspiram, se é que elas existem, não estão à vista e isso pode ser desconcertante.