Silêncio e distância

O som da vibração do celular no meio da noite rompe a calmaria recentemente estabelecida na vizinhança para meus ouvidos recém treinados. Eu não estava dormindo, só deitado, olhando pela janela as ruas desertas por volta das 22h, como nunca tinha visto antes de mudar para aqui e, agora, desde as últimas semanas, é uma das minhas paisagens preferidas e que me dá paz, quando me sinto ansioso.
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Fecho as pálpebras rapidamente e respiro fundo. "O que será?", "Quem será?", me questiono. Crio coragem e num impulso me sento na cama, tateio a mesa de cabeceira até encontrar o celular, quando a tela acende vejo a notificação com um número que não está mais salvo como contato, mas pela foto percebo que se trata de alguém que eu conheço muito bem, ou conhecia, um pouco antes disso tudo começar.

A mensagem pareceu dócil, mas seu efeito foi bruto. Talvez se eu conseguir decifrar o que há nas entrelinhas poderei entender o que aconteceu quando encontrei paz no seu silêncio e desde então tenho estado quieto. É normal querer apontar um culpado, uma razão, mas nesse caso acho que as coisas ficaram fora do nosso controle e aquela conversa que deveria ser olhos nos olhos parece que terá que ser via mensagens instantâneas.

Esse campo é tão aberto à interpretação. Ainda estou tentando entender se o tempo está do nosso lado ou se não estamos apenas cheios do isolamento e carentes pela distância. Talvez ele realmente seja nosso amigo, já que tudo parece parado, um presente arrastado e um futuro impossível de se imaginar. Agora parece que qualquer resolução é um dispositivo inútil, com objetivo apenas de trazer um reparo provisório.

Um de nós dois tem assumir o papel de advogado de "nós", se queremos um veredito justo, mas cada um está tentando proteger a si mesmo. É justo, porém inefetivo. Não estamos fora de alcance, mas um tem que tentar chegar até o outro de alguma forma, quando parece que não há mais palavras a dizer. Ou, quem sabe, devemos continuar em silêncio e distantes, pelo menos até tudo parecer normal de novo. Até lá, os 50 metros quadrados entre a porta da frente e essa janela são minha clausura e meu refúgio.
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