Amizade virtual x Amizade real

Geralmente construímos uma noção de amizade quando somos crianças. Minha infância foi nos anos 90, época também que a internet começou a despontar no Brasil. Por ser algo relativamente novo para a nossa sociedade, naquela época ainda era comum usar as enciclopédias para os trabalhos da escola, entregar textos manuscritos e preferir aquela boa conversa na calçada de casa com todas as crianças da rua.


De repente todos começamos a fazer uso dos computadores, mas eles ainda eram apenas aparelhos. A internet era usada bem menos, de preferência tarde da noite e aos finais de semana, quando ela era mais barata. Era a época da internet discada e aquele som da discagem que naquela época era uma tortura hoje traz um certo saudosismo, o mesmo não se pode dizer da velocidade.

Dando um pulo no tempo, chegamos a época do finado Orkut, uma das primeiras redes sociais de grande popularização no Brasil e no mundo. Foi aí que o conceito de amizade como a gente conhecia começou a mudar de maneira mais pertinente. Você podia adicionar pessoas a sua lista de amigos e compartilhar acontecimentos da sua vida.

Começamos então a romper barreiras geográficas e fazer amizades com pessoas de vários lugares do Brasil e do mundo. Para aproximar ainda mais as pessoas, era possível ter conversas particulares através do mensageiro instantâneo MSN, que nasceu antes do Orkut, mas que com a rede social ganhou mais força, já que amigos virtuais podiam trocar seus contatos e fortalecer os laços através de conversas instantâneas pela Internet.


Pessoas que nunca tínhamos visto na vida sabiam mais da gente do que o vizinho da frente. Começamos a escolher momentos da nossa vida e traços da nossa personalidade para expor diante dos nossos amigos virtuais. Os amigos reais pareciam cada vez menos diante da facilidade de se fazer uma amizade sem ao menos sair de casa.

Mas a internet também começou a possibilitar acompanhar a vida e manter contato com amigos reais que por algum motivo se afastaram geograficamente de nós. Hoje já nem sabemos o que diferencia um amigo real de um amigo virtual. Não que um seja melhor do que o outro, talvez, tirando a maneira como a amizade começou, sequer exista diferença.

Uma verdade universal é que todos já passamos por aquela situação de ver um amigo virtual pela primeira vez no mundo real e ficar em dúvida se ele vai ou não falar com a gente. Também é verdade que muitos amigos tão próximos geograficamente, por assim dizer, não chegam a ser tão próximos como alguns virtuais com os quais compartilhamos afinidades e anseios em comum.



Costumamos usar o termo “sem costume” para se referir a uma pessoa mal acostumada com algo e que por isso produza um comportamento embaraçoso. Acho que não seria errado dizer que minha geração ainda é “sem costume” no que diz respeito à internet. Muito provavelmente é porque ela foi crescendo à nossa volta e nós ainda carregamos uma bagagem emocional no que diz respeito as conversas nas calçadas.

E esse conflito acontece silenciosamente no nosso dia a dia, enquanto vamos tentando adaptar as normas de etiqueta social que aprendemos com nossos pais, criados na era antes da internet, e as normas de etiqueta social que o mundo virtual foi e vai estabelecendo a cada dia. A esperança de que a gente deixe de ser “sem costume” ainda é viva.

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